Como tenho formação católica vou me deter no Papa e seus
discursos. E que tenho me perguntado: por que foi eleito pela primeira vez um
Papa jesuíta e latino-americano? Comecei agora a decifrar o enigma que merecia
um texto de pelo menos cinquenta páginas, mas que vou resumir ao máximo. Essa
breve análise nada tem a ver com fé, mas sim com o poder temporal da Igreja
Católica.
O fundador da Companhia de Jesus foi o temperamental fidalgo
espanhol basco Inácio de Loyola. A Companhia foi moldada pelo padrão militar. A
disciplina era férrea. Toda individualidade era suprimida e de cada um e de
todos exigia-se uma obediência de soldado ao general.
As atividades dos jesuítas foram como ainda são variadíssimas.
Eles trabalharam sem trégua na Inquisição, espalharam-se pelos quatro cantos do
planeta, estiveram em todos os centros de decisões, fizeram da educação sua
atividade mais importante, funcionaram desde o início como uma multinacional da
fé. Georges Bernanos disse que “o velho sonho dos jesuítas era o de organizar a
cristandade segundo o método da ditadura totalitária e da razão de Estado”.
Será que eles mudaram?
Ainda no âmbito da história recordemos que foi no Novo Mundo
americano que a Igreja alcançou seu maior sucesso numa época em que o Velho
Mundo europeu enfrentava a Reforma. Portanto, há tempos a Igreja considera a
América Latina como sua filha preferida. Nesse sentido tem toda razão Carlos Rangel
quando apontou em sua obra, Do
Bom Selvagem ao Bom Revolucionário, que “A Igreja Católica é mais
responsável do que qualquer outro fator pelo que é e o que não é a América
Latina”.
Quanto as nossas origens coloniais pode-se dizer usando uma
expressão de Ortega y Gasset, que tivemos uma “embriogenia defeituosa”, por sua
vez geradora de sociedades desiguais. Nestas, até hoje não foi, conforme
Rangel, o marxismo, mas sim a teoria leninista do imperialismo e da dependência
que falsamente propôs uma resposta consoladora e esquerdizante ao complexo de
inferioridade crônico que a América Latina sofre em relação aos Estados Unidos.
Paradoxalmente, continua grande a imigração de latino-americanos para os
Estados Unidos em busca de uma vida melhor.
No momento, segundo o Instituto Pew Researh, com sede nos
Estados Unidos e citado pelo The Economist, “o Paraguai (onde 89% da população
é católica), o Equador (79%) e a Bolívia (77%) continuam sendo os bastiões da
fé, juntamente com Colômbia e México”.
Note-se que a recente visita do Papa se deu justamente no
Paraguai, no Equador e na Bolívia, sendo que neste último o Papa recebeu de Evo
Morales uma cruz formada pela foice e o martelo, símbolo do comunismo, com um
cristo pregado. Esdrúxula adaptação do materialismo de Marx com a
espiritualidade de Cristo.
Nesta viagem, onde ficou claramente definida a política do
papado, o Papa fez sua mais veemente condenação ao capitalismo. Em Santa Cruz
de la Sierra, Bolívia, o Pontífice foi saudado por João Pedro Stédile, mentor
dos sem-terra que tem visitado o Vaticano juntamente com líderes dos chamados
movimentos sociais e da Teologia da Libertação. Disse Stédile diante de
centenas de militantes de movimentos sociais: “Assim como o capitalismo tem
Obama, nós temos o Papa Francisco”.
Mas será que essa ecclesia
pauperum ou igreja dos pobres que o Papa Francisco prega, mesmo que
seja em nome de um pós-marxismo, não manterá os pobres da América Latina,
sempre pobres? Afinal, o socialismo, aonde quer que fosse implantado levou ao
cerceamento da liberdade, à violência contra a população, à escravização
completa do indivíduo, ao nivelamento por baixo na miséria enquanto a classe
dirigente gozava das delícias da riqueza. Enfim, o paraíso prometido na terra
tornou-se o inferno. Talvez, uma pregação mais espiritual e menos política
enseje um proselitismo mais exitoso da Igreja na América Latina.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
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