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MARCO ANTONIO VILLA
Como é sabido, o Partido dos Trabalhadores nasceu em 1980. Contudo, muito antes da sua fundação, foi precedido de um amplo processo de crítica das diversas correntes de esquerda realizada na universidade e no calor dos debates políticos. A ação partidária, os sindicatos e as estratégias políticas adotadas durante o populismo (1945-1964) foram duramente atacados. Sem que houvesse um contraponto eficaz, fez-se tábula rasa do passado. A história da esquerda brasileira estaria começando com a fundação do PT. O ocorrido antes de 1980 não teria passado de uma pré-história eivada de conciliações com a burguesia e marcada pelo descompromisso em relação ao destino histórico da classe trabalhadora.
O processo de desconstrução do passado permaneceu durante vinte anos, até o final do século XX. As pesquisas universitárias continuaram dando o sustentáculo "científico" de que o PT era um marco na história política brasileira, o primeiro partido de trabalhadores. O estilo stalinista de fazer história se estendeu para o movimento operário. Tudo teria começado no ABC. Mas não só: a história do sindicalismo "independente" teve um momento de partida, a eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, em 1975 (na posse, estava presente o governador Paulo Egydio, fato único naquela época). Toda história anterior, desde os anarquistas, tinha sido somente uma preparação para o surgimento do maior líder operário da história do Brasil.
A repetição sistemática de que em São Bernardo foi gestada uma ruptura acabou ganhando foro de verdade científica, indiscutível. Lula tinha de negar e desqualificar a história para surgir como uma espécie de "esperado", o "ungido". Não podia por si só realizar esta tarefa. Para isso contou com o apoio entusiástico dos intelectuais, ironicamente, ele que sempre desdenhou do conhecimento, da leitura e da reflexão. E muitos desses intelectuais que construíram o mito acabaram rompendo com o PT depois de 2003, quando a criatura adquiriu vida própria e se revoltou contra os criadores.
Mas não bastou apagar o passado. Foi necessário eliminar as lideranças que surgiram, tanto no sindicato, como no PT. E Lula foi um mestre. Os que não se submeteram, aceitando um papel subalterno, acabaram não tendo mais espaço político. Este processo foi se desenvolvendo sem que os embates e as rupturas desgastassem a figura de líder inconteste do partido. Ao dissidente era reservado o opróbrio eterno.
A permanência na liderança, sem contestação, não se deu por um choque de ideias. Pelo contrário. Lula sempre desprezou o debate político. Sabia que neste terreno seria derrotado. Optou sempre pela despolitização. Como nada tinha escrito, a divergência não podia percorrer o caminho tradicional da luta política, o enfrentamento de textos e ideias, seguindo a clássica tradição dos partidos de esquerda desde o final do século XIX. Desta forma, ele transformou a discordância em uma questão pessoal. E, como a sua figura era intocável, tudo acabava sem ter começado.
A vontade pessoal, fortalecida pelo culto da personalidade, fomentado desde os anos 70 pelos intelectuais, se transformou em obsessão. O processo se agravou ainda mais após a vitória de 2002. Afinal, não só o Brasil, mas o mundo se curvou frente ao presidente operário. Seus defeitos foram ainda mais transformados em qualidades. Qualquer crítica virou um crime de lesa-majestade. O desejo de eliminar as vozes discordantes acabou como política de Estado. Quem não louvava o presidente era considerado um inimigo.
Os conservadores brasileiros - conservadores não no sentido político, mas como defensores da manutenção de privilégios antirrepublicanos - logo entenderam o funcionamento da personalidade do presidente. Começaram a louvar suas realizações, suas palavras, seus mínimos gestos. Enfim, o que o presidente falava ou agia passou a ser considerado algo genial. Não é preciso dizer que Lula transformou os antigos "picaretas" em aliados incondicionais. Afinal, eles reconheciam publicamente seus feitos, suas qualidades. E mereceram benesses como nunca tiveram em outros governos.
É só esta obsessão pelo poder e pelo mando sem qualquer questionamento que pode ser uma das chaves explicativas da escolha de Dilma Rousseff como sua candidata.
Marco Antonio Villa é historiador.
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