quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Le Monde: Protestos no Brasil acentuaram a desilusão da geração Lula



Os protestos sociais de junho mostraram a desafeição da juventude brasileira em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda, situação), o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 67, e da atual chefe do Estado, Dilma Rousseff, 65. Mas a geração de esquerda que combateu a ditadura (1964-1985) também está se distanciando.

"O PT não me representa mais", conta Maria Regina Pilla, 67, que trabalhava no gabinete do prefeito de Porto Alegre, do PT, na época do Fórum Social Mundial. Para ela e para muitos o chamado escândalo do "mensalão", revelado em 2005 e julgado em 2012, foi "um choque". "O mensalão tirou do PT suas bandeiras mais preciosas, que são a honestidade e a integridade", ela diz.

"O PT deveria ter feito seu mea culpa: não votamos no PT para que ele fizesse a mesma coisa que os outros partidos", reforça Cynara Menezes, 46, repórter na revista semanal "Carta Capital" e blogueira. "Depois de substituir o Partido Comunista como força central da esquerda, Lula transformou o PT em cabide de empregos públicos", se indigna o cineasta Nelson Pereira dos Santos, 84
Engrenagem do poder"

Seriam inevitáveis o clientelismo e a troca de favores com os aliados? "Há muito tempo o PT e o Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB, oposição) disputam o eleitorado, sobretudo no Estado de São Paulo, principal circunscrição do país," explica Ismail Xavier, 67, professor de cinema na Universidade de São Paulo (USP). "Em vez de somar esforços, esses dois partidos reformistas fizeram alianças com a direita."

E ainda: "Lula imitou seu antecessor, o presidente socialdemocrata Fernando Henrique Cardoso, para garantir uma maioria no Congresso e evitar um conflito entre o Executivo e o Legislativo, o pesadelo da história brasileira."

A esquerda continua sendo minoritária, em um Brasil que tende a mais conservador. "Há um paradoxo: o pragmatismo de Lula permitiu que ele fosse eleito à presidência duas vezes, mas descaracterizou o PT, que se tornou uma engrenagem do poder", observa a psicanalista Maria Rita Kehl, 61, membro da Comissão da Verdade sobre a ditadura.

"Com Dilma, a virada para a direita se acentuou", afirma Cynara Menezes. O contraste entre a presidente Rousseff e seu mentor é mencionado com frequência. Elogia-se a capacidade de negociação de Lula ao mesmo tempo em que se critica sua recusa em encarar o mercado financeiro e o agronegócio. E lamenta-se a pouca aptidão de sua sucessora para o diálogo, inclusive com os movimentos sociais de esquerda.

A nostalgia já se sente. "O PT teve dois grandes momentos: quando nasceu, nos anos 1980, ele soube unir a esquerda; depois, a eleição de Lula em 2002 representou a volta do reprimido, a alegria, após os anos de chumbo e de crise", afirma Maria Rita Kehl.
"Discurso de desconfiança contra as manifestações espontâneas"

No entanto, o PT se tornou uma máquina eleitoral, em estado de imponderabilidade entre cada eleição. "A Central Única dos Trabalhadores e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foram cooptadas, subvencionadas para não fazerem nada", acusa Wagner Cardoso, 63, ex-jornalista da RFI.

Os sindicalistas tiveram dificuldade para se mobilizar, em 11 de julho, em um dia nacional de luta. E a UNE pela primeira vez em sua história esteve totalmente ausente das manifestações no mês de junho. "O último sinal de vida da UNE foi nos grandes protestos contra a corrupção do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992", observa Jean-Marc von der Weid, 67, presidente da UNE de 1969 até quando foi preso, dois anos mais tarde. "Agora, uma parte da esquerda, dogmática, mantém um discurso de desconfiança contra as manifestações espontâneas", conta o ex-líder estudantil.


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