domingo, 17 de novembro de 2013
A estratégia montada pelo governo brasileiro para desmoralizar a medicina nacional é politicalha repugnante.
Escrito por Dioclécio Campos Júnior* e » Eduardo da Silva Vaz**
A estratégia montada pelo governo brasileiro para desmoralizar a medicina nacional é politicalha repugnante. Produz resultados. Alguns, em conformidade com as metas dos marqueteiros contratados com dinheiro público. Outros, com projetos forjados para vender enganosa ideia de solução para os problemas de saúde do Brasil.
Manobras infamantes ocultam a verdade dos fatos. Entre as primeiras, a acintosa culpabilização dos médicos pela miserável condição que consome o bem-estar físico, mental e social de grande número de pessoas deste país. Também o rótulo de corporativismo utilizado para desqualificar as manifestações da classe médica.
Entre as segundas, o envolvimento do Poder Judiciário, forçando a emissão de registros provisórios para médicos importados, a fim de que a qualidade do atendimento à população seja desprezada. Esse é o triste cenário de discriminação dos mais pobres. Perpetua a cultura de um Estado feito para engambelar, não para acabar com as iniquidades sociais. Como disse Brizola, "é o governo da UDN de macacão".
O escândalo da propaganda oficial salta aos olhos de quem não se deixa levar pela mistificação. Mensagens do Programa Mais Médicos seduzem pela beleza falaciosa dos ambientes, pelos sorrisos fascinantes, pelas palavras feitas para encantar, pelos números que transformam o falso em verdadeiro. Pura artimanha usada para preparar a campanha eleitoral que o governo está a testar. Mais Médicos é filme de ficção que se habilita a disputar o Oscar da mentira.
Idealizadores do programa têm destacado o sistema público da Inglaterra, citando os 2,7 médicos para mil habitantes naquele país, como se duas realidades tão diversas fossem comparáveis. A maioria deles provém do exterior. Utilizar um modelo alienígena requer conhecimento completo do que se pretende incorporar.
No seminário Saúde e Economia, realizado na Suíça, em 2008, a fala do gestor do sistema público de saúde da Inglaterra impressionou. Em resumo, disse: "O sistema inglês é antigo, tem história, experiência, tradição. É referência, mas vai muito mal. Fez-se pesquisa séria de opinião pública que apontou a necessidade de mudanças inadiáveis. A maioria dos usuários queria migrar do atendimento público para a rede privada. A razão era a má qualidade da assistência. Nem a pressão arterial se controlava no atendimento dos usuários. A causa da decadência ficou clara. Faltava motivação ao médico. Chegou-se à conclusão de que um sistema público de saúde incapaz de motivá-lo não tem futuro. Criou-se, então, o projeto de incentivo à performance. Visou-se estimular o profissional do qual depende o êxito do sistema. Indicadores de trabalho qualificado foram implantados. Permitem avaliar mensalmente o desempenho médico. Cada um deles tem pontuação específica. Se o médico pontuar acima do nível de corte estabelecido para aferir-lhe a performance, receberá o dobro do salário. Se abaixo, apenas o básico. Os resultados obtidos três anos após revelaram o acerto das medidas. Trouxeram de volta o fator motivacional que restabelecerá o alto padrão do atendimento médico".
Nenhuma propaganda oficial foi feita para divulgar a ação do governo inglês. Não se valeu do erário para promover candidaturas. Os dirigentes anunciaram agora o aumento no rigor do processo seletivo de médicos estrangeiros que ingressam no sistema de saúde do país. Nenhum deles trabalha com registro provisório, sem aprovação em exame realizado por instância respeitável.
Aqui a postura é outra. A presidente da República vetou o Ato Médico. Confiou a todos os outros profissionais da saúde a prerrogativa de diagnóstico e tratamento. O erro cometido é grave, somente justificável como manobra eleitoreira. Tome-se o exemplo do atestado de óbito. O documento é ato diagnóstico. Destina-se a definir a causa da morte, a chamada causa mortis. A irresponsabilidade do veto põe em risco a natureza de tal procedimento. Se diagnosticar não é prerrogativa do médico, o atestado de óbito não precisa mais ser sua atribuição. Como o ato diagnóstico terminou politicamente socializado, surge espaço para novo programa: o mais profissionais para atestar o óbito.
Os médicos brasileiros devem assumir posição semelhante à dos colegas belgas, quando desrespeitados pelo governo, ao final dos anos 1960. Não paralisaram o atendimento à população. Deixaram, porém, de assinar atestados de óbito. O caos instalado derrubou o governo. O respeito à profissão foi restabelecido. O que ocorreu na Bélgica pode acontecer no Brasil.
É médico, é professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium ( dicamposjr@gmail.com)
** É médico e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
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