quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Brasil tem duas opções: ou se manca e sai às ruas contra o arquivamento do mensalão ou aceita de uma vez por todas ser governado pelos companheiros da contravenção



REVISTA ÉPOCA - Guilherme Fiuza



Carlinhos Cachoeira foi vítima de um mal-entendido. O “empresário da contravenção” (como foi apresentado na Voz do Brasil) foi às compras em Brasília e, ao que se saiba, pagou tudo o que consumiu. Ninguém se sentiu lesado por ele, não se ouviu uma só voz reclamando de calote. É legítimo concluir, portanto, que as belas cifras entoadas nas escutas telefônicas tenham chegado direitinho aos destinatários. Por que, então, perseguir esse homem?



Antigamente, comprar deputados e senadores era ilegal. Mas os tempos mudaram, e só o advogado de Cachoeira não viu. Márcio Thomaz Bastos, o ex-ministro da Justiça, insiste em pedir habeas corpus para o cliente, preso no Rio Grande do Norte, alegando que ele não tem antecedentes criminais. Perda de tempo. Assim como o ex-ministro pode ser muito bem pago com o dinheiro sujo do bicheiro, Demóstenes Torres e companhia podem privatizar seus mandatos à vontade para servir ao “empresário da contravenção”.



Esse caminho foi aberto justamente pelo governo ao qual Thomaz Bastos serviu. Comparado ao esquema das mesadas para deputados, que ficou conhecido como mensalão, a engrenagem de Cachoeira é brinquedo de criança. A boa notícia para o mercado de compra e venda de parlamentares é que, sete anos depois do mensalão, ninguém foi punido.


Por que o ex-ético Demóstenes e seu patrocinador caça-níqueis vão se constranger, com tantos mensaleiros à solta, vagando por Brasília e lhes dando bom dia de cara limpa?


Acusado de chefiar a quadrilha, José Dirceu manda e desmanda no governo da companheira de armas Dilma Rousseff – que o prestigia publicamente, em eventos apoteóticos do partido.

Diante disso, que mal haverá em acolher no gabinete um bicheiro de estimação?

Num erro imperdoável para grandes advogados, os defensores de Cachoeira e Demóstenes não atentaram para a jurisprudência: comprar parlamentares, desde que por uma causa popular e progressista, é legítimo. E não vale a ressalva de que o mensalão será um dia, quem sabe, julgado.


O processo do mais grave escândalo da história da República foi travado politicamente na Justiça brasileira, atravessando três eleições (indo agora para a quarta), o que garantiu a sobrevivência de seus protagonistas e do projeto de poder do PT. Na prática, a absolvição já se deu.
O crime compensou. Só faltam um projeto de lei criando o Bolsa-Bingo e outro criando cotas para mulheres nas fábricas de caça-níqueis. O que o senador e o bicheiro farão para provar que sua causa também é popular e progressista é problema deles. Mas não será difícil.

A conexão Dirceu-Delúbio-Valério, com o apoio dos bancos BMG e Rural, criou um duto das empresas estatais para os cofres partidários. Se isso não tirou o status progressista do governo popular, até a jogatina pode ser de esquerda.


Aí só será preciso um mínimo de criatividade por parte do contraventor e de seu representante no Congresso: um projeto de lei criando o Bolsa-Bingo, outro instituindo cotas para mulheres nas fábricas de caça-níqueis e, mais importante de tudo, uma choradinha em público, que no Brasil não tem erro.Os éticos, ou pelo menos os ex-éticos, não haverão de admitir a condenação do senador e do bicheiro por um crime que o mensalão revogou.

Desde 2005, a posição da corte suprema foi clara sobre esse caso: dos discursos inflamados de Nelson Jobim, então ministro do Supremo Tribunal Federal, em defesa de José Dirceu, ao pronunciamento em dezembro último do revisor do processo, Ricardo Lewandowski, sobre a possibilidade de parte dos réus nem sequer vir a ser julgada: “Não há dúvida nenhuma de que poderá ocorrer a prescrição (dos crimes)”.

Após sete anos de trabalho cuidadoso da Justiça, às vésperas de mais uma eleição e da extinção dos processos, o revisor do caso informa sobre a perspectiva de julgamento do mensalão: “Não tenho uma previsão clara”. Tradução: a anistia aos parlamentares comprados (ou alugados) e seus contratantes vai muito bem, obrigado. A diferença para o caso Cachoeira é que o contratante é “empresário da contravenção”, enquanto no mensalão os contratantes eram, por assim dizer, “servidores públicos da contravenção”. Os contratados não ligariam para essa diferença.


O Brasil tem duas opções: ou se manca e sai às ruas contra o arquivamento do mensalão ou aceita de uma vez por todas ser governado pelos companheiros da contravenção.

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