domingo, 22 de abril de 2012

PERGUNTA PARA HEITOR DE PAULA- EX-SOCIALISTA .O professor Olavo de Carvalho descreve a mentalidade revolucionária como uma variante do delírio de interpretação, de Paul Sérieux e o compara com uma doença psicológica transmissível. Com sua experiência na área da psicologia prática, como vê essa questão?





Como médico, prefiro usar os termos médicos precisos: doença transmissível é aquela que se transmite por um agente externo identificável. Portanto só as doenças infecciosas são realmente transmissíveis. Além disto, as perturbações mentais não são propriamente doenças. Esta denominação de ”doença” deriva do fato que a psiquiatria derivou da medicina, quando o mais certo seria dizer que os profissionais da área psi são herdeiros dos xamãs e exorcistas. Como conseqüência de que os delírios e alucinações, e outros transtornos mentais, são equivalentes às doenças físicas, desde que eu estou metido nisto há mais de 40 anos os laboratórios inventaram, e os psiquiatras acreditaram, aproximadamente uns 20 remédios mágicos para a cura definitiva da esquizofrenia, por exemplo. Todos duraram pouco mais de meia dúzia de anos e foram substituídos, algumas vezes com enormes prejuízos como, por exemplo, o Prozac. Este medicamente, inicialmente uma maravilha curativa, tornou-se um dos causadores de ondas de suicídio pela desilusão que causaram. Isto não significa que ser médico não seja importante para o profissional clínico da área, pois só a formação médica desperta o desejo de curar e a empatia com o sofrimento alheio.

Depois desta digressão, vamos lá. A interpretação delirante da realidade faz parte inevitável de nosso arcabouço mental normal e não é nem má, nem boa, depende do grau e da forma em como se manifesta. O ciúme do ser amado, fenômeno que ocorre com todos nós, inclui sempre certo grau de interpretação delirante que leva a desconfianças que podem ser infundadas. Quando você entra num quarto totalmente escuro é normal sentir medo. De quê? Ora, se não enxergo não há o que temer! Ocorre que a mente não tolera o desconhecido e logo começa a imaginar e geralmente a imaginação corre para o lado do horrível e ameaçador, pois é baseada em fantasias inconscientes mantidas reprimidas, mas que, frente ao desconhecido vêem à tona. Pode-se dizer que o desconhecido nos transporta para o início das nossas vidas, onde tudo era desconhecido realmente e, por isto, horripilante e amedontrador. Logo após o nascimento o ser humano tem que se deparar com sentimentos de desabrigo, fome, frio, necessidade de proteção, etc. A primeira respiração fora do útero – o berreiro – é extremamente dolorosa pela expansão súbita dos pulmões. Ocorre que o recém nascido não faz a mínima idéia do que se passa e, portanto, a sensação é de morte iminente, o que pode ou não ocorrer dependendo se for cuidado ou abandonado. Esta sensação persiste no inconsciente e se manifesta frente a qualquer situação desconhecida que se apresente na vida, sendo a base de todas as paranóias.

O delírio de interpretação no caso da mentalidade revolucionária é uma evolução patologicamente exacerbada de extrema gravidade e de difícil tratamento, pois ela cria o que os psicanalistas da escola inglesa denominam ”organização patológica da personalidade”. Frequentemente ela permanece enclausurada num núcleo psicótico que permite que a pessoa leve uma vida aparentemente normal nos demais aspectos, sendo reativada apenas quando se toca no motivo do delírio. Aí dizemos que a organização patológica é principalmente defensiva: frente a aspectos da realidade que não suporta conhecer, o sujeito reage imediatamente. Observem bem que existem pessoas com as quais você está falando sobre futebol, moda o quê seja e as coisas vão muito bem. Até que o assunto passa a ser político ou ideológico: a cara do sujeito muda, assume um ar de seriedade hostil, não encara mais o outro como se olhasse alucinatoriamente para uma terceira pessoa e passa a dar lições, dizendo que você não entende nada do assunto. É como um estado pós-hipnótico: ouvidas certas palavras o sujeito entra em transe e cumpre com as ordens do “Mestre”, já devidamente internalizado. É neste sentido que entendo a transmissibilidade: a ideologia revolucionária inclui destruir para depois construir. Destruir é já, construir quando for possível, geralmente fica para as calendas! O que atrai é exatamente esta promessa de destruição mobilizando um impulso que existe, em maior ou menor grau, dentro de todos nós, por isto é fácil ocorrer a transmissão que, em certos momentos da história, evidencia uma epidemia.
Um caso muito mais grave é quando esta organização patológica atinge toda a personalidade, englobando-a, formando assim uma patologia de caráter, eliminando todos os resquícios morais, sentimentos de culpa ou remorso, compaixão, amor, etc. Por exemplo: a pessoa “amada” torna-se apenas um objeto de prazer a ser oferecido aos companheiros. O indivíduo passa a ser, ele próprio, uma máquina sem sentimentos. Tudo de que é capaz é de idealizar um chefe, um mestre, um führer.

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