domingo, 22 de abril de 2012

PERGUNTA AO HEITOR DE PAULA - Conte um pouco do seu passado como comunista e o que o levou a romper com a esquerda. O seu rompimento com o marxismo foi gradual?



A resposta a esta pergunta já está na introdução ao livro O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem Mundial. Mas a pergunta está bem colocada quando divide em dois rompimentos: com a esquerda, entendida como participação efetiva e ativa no processo revolucionário, e com o marxismo, entendido como cosmovisão.

O primeiro se deu mais rapidamente e dependeu de dois fatores: jamais aceitei a luta armada e tão logo a organização à qual eu pertencia, a Ação Popular, aderiu a ela, pulei fora. O segundo fator é mais importante: a AP, fundada em 1963 pelo líder “católico” da JUC (Juventude Universitária Católica) Herbert José de Souza, o Betinho, e o padre jesuíta Henrique Vaz, apresentava-se como uma opção para os que se iludiram com o socialismo, mas recusavam o materialismo e ateísmo do Partido Comunista Brasileiro, além de sua total submissão a Moscou. A análise da sociedade pelos fundadores e primeiros líderes, como Aldo Arantes e Vinicius Caldeira Brandt, era baseada na obra de Jacques Maritain e principalmente Teilhard de Chardin. Mas o que não se conhecia naquela época era a totalidade da obra deste último e o compromisso com uma weltanshauung materialista, embora travestida de religiosa (para uma excelente compreensão de Teilhard, ler Teilhardism and the New Religion, de Wolfgang Smith).

Embora não sendo católico eu recusava o comunismo soviético e encontrei no “Documento Base” da AP um vigoroso socialismo humanista. Fui dos primeiros a aderir, já em 63 mesmo, saindo na Juventude Trabalhista, onde atuei desde a ‘Campanha da Legalidade’ em 1961, que era apenas oportunismo brizolista. A AP cumpriu seu papel empolgando a juventude estudantil a ponto de rapidamente conquistar a UNE (Aldo e Vinícius já a tinham presidido e Serra foi eleito em 63) e a UBES, além da maioria das UEE’s. Na medida em que eu crescia dentro da hierarquia eu começava a desconfiar que estivesse comprando gato por lebre, até que como Vice-Presidente da UNE (1965) tomei conhecimento de que aquele “Documento Base” não passava de um engodo que escondia outro documento, baseado nas teorias de Mao Zedong, Vo Nguyen Giap, Ho Chi Min, Che Guevara entre outros menos votados. Pois a adesão à luta armada já estava prevista desde o início! A mentira e o ódio travestidos de bondade em relação aos pobres e “excluídos” são as tônicas da mentalidade revolucionária.
Abandonado o ativismo, veio a pior parte: o rompimento com o marxismo! Dediquei-me à minha vida profissional e familiar, mas continuava internamente marxista. Na próxima pergunta responderei sobre o delírio de interpretação revolucionário, mas já adianto que é uma perturbação terrível e de difícil cura. Só conheço os depoimentos claros e sinceros de três pessoas, além de mim mesmo: o Olavo, que vocês já conhecem, Whittaker Chambers (leiam Witness) e David Horowitz (leiam The Politics of Bad Faith). É preciso esclarecer aos mais jovens, que a “terrível ditadura militar” jamais se preocupou com a cultura, um erro gravíssimo que permitiu a entrada dos comunistas por este rombo imenso. Nas livrarias era fácil encontrar literatura comunista, mas nada de liberais e conservadores, até a nomeação de José Carlos de Azevedo para reitor da UnB, cuja Editora passou a editar livros de Hayek, Von Mises, Tocqueville, Stuart Mill, Berlin, Aron, que foram de grande utilidade para rever minha cosmovisão. Foi muito importante também a totalidade da obra de Karl Popper, começando pelo A Sociedade Aberta e seus Inimigos.

Porém, o mais importante foi sem dúvida uma introspecção moral que incluiu muita angústia e culpa. Neste sentido, minha análise pessoal foi extremamente importante. Também tive a sorte de iniciar minha vida profissional durante o governo Médici que, além do pleno emprego já reconhecido até por Lula, trouxe grandes progressos para o país. Percebi que aquela oposição tenaz aos governos militares era exatamente o oposto do que se dizia: ao invés de representar um movimento contra o progresso histórico, eles estavam levando o Brasil para frente.

Este segundo rompimento ocorreu de forma lenta e gradual. O conhecimento com o Olavo – iniciando-se pelo livro O Imbecil Coletivo que em alguns pontos parecia se dirigir a mim - abriu-me novas perspectivas e posso dizer que o rompimento final se deu a partir de então. As certezas fáceis da interpretação da estrutura da realidade através da dialética hegeliano-marxista foram substituídas pela perplexidade. Meu ateísmo materialista ruiu de vez.

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