segunda-feira, 15 de julho de 2013

Bienvenido a Caracas, señor Snowden



Mas saiba que muitos se questionam por que o senhor quer vir para um país que viola os princípios que defende


OESP - 13 de julho de 2013 – Peter Wilson*
Caro senhor Snowden, vejo na imprensa que está avaliando a possibilidade de um asilo na Venezuela. Se for verdade, faço-lhe uma proposta comercial.
Acredito que você e eu poderíamos ganhar milhões de dólares aqui usando sua nova expertise em pedir asilo no exterior.

Logo verá que há milhares de venezuelanos que amariam fugir e recomeçar a vida em outros países. Longas filas de pessoas se formam todas as manhãs para pegar formulários para vistos e passaportes nas missões dos EUA e de países europeus em Caracas. Após você chegar, poderá aconselhá-los sobre a melhor maneira de sair.


Não me interprete mal. A Venezuela é um grande país, com um povo amigável e uma beleza natural de tirar o fôlego. Ela tem as praias do Caribe e as montanhas com os topos nevados dos Andes.

Deveríamos fazer uma viagem terrestre: a gasolina custa apenas US$ 0,01 o galão. Mas você poderia encontrar dificuldade para comprar um carro novo. No mínimo, precisará de paciência. Militares, policiais e funcionários públicos têm preferência.

Certo, não são os EUA. Mas eu morei aqui nos últimos 21 anos e amo o lugar. Ainda assim, a Venezuela não é para qualquer um.

Se você tem a impressão de que vai passar o restante de seus dias num paraíso tropical, pense duas vezes antes de entrar no avião para Caracas.

Talvez, queira trazer seu próprio papel higiênico. Estamos no 15.º aniversário de uma revolução que o presidente Hugo Chávez iniciou em 1999. Sim, a pobreza extrema foi reduzida como seus apoiadores apregoam, mas isso teve um custo. A economia está arrasada. O governo expropriou dezenas de empresas cuja produção sempre parece cair após cada confisco.
Hoje, caminhando pelo meu bairro, vi longas filas de pessoas se estendendo para fora de um supermercado estatal. Elas estavam esperando para comprar óleo, açúcar, frango - produtos de primeira necessidade. A escassez de alimentos é comum. Embale um par de sapatos confortáveis se quiser comprar café, carne, farinha de trigo, farinha de milho ou massas.

Bem, você provavelmente poupou algum dinheiro daquele salário polpudo na Booz Allen Hamilton. Mas se não for em dinheiro vivo, e como o governo americano provavelmente está monitorando sua conta bancária, você vai ter problemas. Os preços andam subindo muito por aqui.

A taxa de inflação nos seis primeiros meses do ano chegou a 25%. No ano passado inteiro, ela ficou perto de 40%. Se você encontrar emprego, cuide de receber em dólares e fazer contatos imediatamente no mercado negro. A taxa de câmbio oficial lhe dará seus 6,3 bolívares por dólar. A taxa do mercado negro é 33 bolívares por dólar e subindo, pois a moeda local perdeu quase todo seu valor.

Boa sorte para encontrar um apartamento. Com a nova lei de regulamentação do mercado imobiliário, é quase impossível desalojar inquilinos, e, com isso, poucos proprietários querem alugar seus apartamentos.

E mesmo que acabe morando num bairro chique, vai querer considerar alguma segurança (e não só para manter distantes aqueles incômodos comandos de captura dos fuzileiros navais).

C0mo posso colocar isso? Pense em tingir o cabelo de preto e dar um trato no bronzeado. Você parece demasiadamente branco, o que faz de você um alvo fácil para criminosos. E criminosos não faltam. Caracas tem a mais alta taxa de homicídios entre as capitais do mundo e os sequestros estão em alta. Quando o sol se põe, é melhor ficar em casa, mas mesmo isso não é garantia de segurança.

Compre um plano de saúde. Embora o governo e Sean Penn gostem de afirmar que os venezuelanos têm livre acesso à assistência médica, isso é uma balela. No centro de saúde de meu pequeno povoado nos arredores de Caracas, os doentes são aconselhados a trazer seus termômetros. Remédios? Esqueça - eles não os têm.

Os pacientes são enviados para farmácias privadas até para os remédios mais banais. E os hospitais são ainda piores. Um amigo meu quebrou a perna em dois lugares e eu o levei ao hospital público. O médico nos disse que a perna teria de ser recomposta com pinos. Meu vizinho disse: "Faça-o".

O médico riu e nos disse que não tínhamos entendido. O hospital não tinha pinos; teríamos de comprá-los por uma quantia considerável em Caracas.

Você desejará ser cuidadoso ao extremo quando as luzes apagarem. Embora a Venezuela tenha as maiores reservas de petróleo do mundo, os apagões são constantes na medida em que a rede elétrica está lentamente se esfacelando. Por isso, traga uma mala extra com baterias e velas de Moscou.

É fato que muitos venezuelanos por aqui o admiram por denunciar os programas americanos de espionagem. Mas pense duas vezes antes de passar a perna em alguém por aqui. Temos nossa versão do Estado de vigilância e os adversários do governo dizem que são "consultores" cubanos que estão interceptando as ligações pela companhia telefônica estatal e as Forças Armadas.

Por falar nelas, você gostará de conhecer seu novo melhor amigo: o presidente Nicolás Maduro, que descreve a si mesmo como um "filho" de Chávez e já afirmou um dia que seu antecessor apareceu para ele na forma de um pássaro. Um ex-motorista de ônibus, Maduro cumpriu a missão de estreitar laços com países com histórico de direitos humanos problemático, do Irã à Síria, de Cuba à Bielo-Rússia. Seus defensores gostam de dizer que a democracia da Venezuela é a melhor da América do Sul, mas isso é claramente uma impostura. As instituições políticas do país, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional Eleitoral, perderam sua autonomia. Com Chávez, elas se tornaram meros apêndices do poder supremo do presidente e seus apaniguados.

Por outro lado, a vitória eleitoral do presidente em abril ainda não foi reconhecida pela oposição, que alega que ele não teria vencido não fosse uma fraude eleitoral em massa.

Não sei ao certo como está o seu espanhol, "señor" Snowden, mas eis uma rápida primeira lição. Apesar de sua campanha de consciência contra os EUA, algumas pessoas ainda podem chamá-lo de ianque ou gringo, no começo. E se prepare para ouvir um bocado as palavras fascista, contrarrevolucionário e burguês. Elas são usadas para descrever qualquer um que se oponha ao governo.

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