domingo, 11 de março de 2012

ADEUS, LÊNIN! A NEGAÇÃO DA REALIDADE.





Valfrido M. Chaves


O filme com esse título, “Adeus Lênin”, com sua simplicidade, prova que se pode fazer uma obra consistente, profunda e bonita,com poucos recursos financeiros e técnicos.

A trama de seu enredo é aparentemente simples: nas vésperas da queda do Muro de Berlim,que representou a falência do Império Soviético, uma mãe de família,“comunista de carteirinha”, tem um ataque cardíaco e entra em coma.Nove meses após, volta à consciência num universo totalmente metamorfoseado,numa realidade absurdamente diferente: Dormiu num regime comunista, pleno de controlese carências, e acorda “naquela confusão” resultante da quebra de fronteiras e de um regime que se acreditava onipotente, dono do futuro da história e da humanidade. Uma ruína catastrófica, para o espírito de muitos.


O filho de nossa “bela adormecida”, pouco mais que um adolescente, se preocupa com a capacidade da mãe em assimilar as mudanças e aceitar a ruína do sistema no qual tinha uma crença religiosa. Temia por sua incolumidade física e psíquica. Ato contínuo, com a família, se empenha em acobertar os fatos e fazeruma releitura dos acontecimentos, de modo a enganar a percepção da mãe e,assim, protegendo-a. Chegou-se à hilária situação de forjarem um noticiárioteleviso, para “mostrarem” a população de Berlim Ocidental derrubando o Muro e fugindo em massa para o paraíso comunista...


Eis que, num momento em que o filho responsável pelo embuste encobridor da realidade deu uma cochilada, a mãe se levanta do leito, sai para a rua e ...“cai na real”, vendo inclusive uma imensa estátua de Lênin, transformadaem sucata, sendo transportada. Há uns dramas paralelos e, como se previa, o choque da realidade foi demais e, logo após, nossa personagem morre.

Muitos enfoques poderiam analisar a obra, mas este escriba resolveu privilegiar uma visão psicológica sobre a mesma, sem pretender que essa seja “a grande leitura” a ser feita. Vamos pois: É comum, nas fábulas e mitos, um personagem ser “dividido” e apresentado como “dois”.Por isso, nos contos de fadas, há sempre uma bruxa e uma fada. Ambas representariam momentos diferentes da percepção que a criança tem da mãe: “fada”, quando satisfaz, acolhe e “bruxa”quando frustra, rejeita.

Voltando ao nosso filme, podemos interpretar que a “mãe-protegida” representaria um “Ego” frágil, ameaçado, e o“filho-protetor” seria a “negação”, ou seja, um dos“mecanismos de defesa do ego”, justamente aquele artifício que usamos para não entrarmos em contato com uma realidade externa insuportável,capaz de nos lesar o narcisismo, nos deprimindo, até nos enlouquecendo. Aquela expressão “tem pai que é cego...” é uma brincadeira séria com a “negação”.
Um exemplo significativo de “negação” ou auto-engano, constatamos quando Krutchov, primeiro ministro russo, denunciou os crimes do stalinismo,deixando comunistas de todo o mundo perplexos. Entretanto, quem não sabia daqueles crimes? Em que planeta viviam nossos marxistas que, de quebra, volta e meia iam à metrópole do grande império? Creio que esse encobrimento da realidade tenha sido uma das grandes manifestações de “negação coletiva” e auto-engano já vistas na história. Na mesma linha, vemos hojeo remendo teórico para justificar o fracasso do sistema comunista: teria sido instalado na hora e lugar errado, ou seja, na Rússia.

Salvo melhor juízo, “Adeus, Lênin” será sempre muito atual pois, se há um esporte popular entre os humanos de quaisquer épocas, é este: evitação da realidade, naquilo em que ela desmente as crenças e ideologias usadas como bengala pelas pessoas com elevado sentimento de insignificância e baixa autoestima. Afinal, como abandonar a doce crença de que seríamos mais sábiosque outros mortais, donos do futuro e condutores da história?

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