sexta-feira, 4 de maio de 2012

A rapina da tecnologia na educação






Elio Gaspari


Com vocês, Delúbio Soares 2.0.
A Polícia Federal achou-o no restaurante 14 Bis, no Rio, discutindo o fornecimento de lousas digitais para escolas públicas capixabas e goianas. Segundo o empresário interessado, o companheiro disse-lhe que "um pedido do meu deputado é praticamente uma ordem". Referia-se ao deputado estadual Misael Oliveira (PDT-GO).


Desde que o homo sapiens grafitou a caverna de Altamira, há 15 mil anos, repete- se o costume de usar uma pedra (giz) para desenhar ou, mais tarde, escrever, numa superfície rígida. Desde o século XI isso é feito em escolas.


Os quadros-negros custam pouco, não enguiçam, não consomem energia, nem precisam de manutenção.

As lousas digitais, cinematográficas, interativas e coloridas, tornaram-se parte de uma praga estimulada por fornecedores de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Cada uma custa pelo menos o salário-base de um professor (R$ 1.451). Um dos municípios que contrataram lousas da empresa que tratou com Delúbio foi o de Presidente Kennedy (ES). Gastou R$ 2,7 milhões em três escolas, e o endereço da fornecedora era um terreno baldio. O prefeito e seis secretários, inclusive a de Educação, foram presos. Com os royalties da Petrobras, Presidente Kennedy tem uma das maiores rendas per capita do Espírito Santo, e um dos piores índices de desenvolvimento humano.


O pequeno município não está sozinho nessa febre.


O MEC quer comprar 600 mil tablets para que professores preparem suas aulas (como, não diz).


Isso e mais 10 mil lousas digitais
. O governo de São Paulo estuda um investimento de R$ 5,5 bilhões para colocar lousas e tabuletas em todas as escolas públicas. Gustavo Ioschpe foi atrás da ideia e descobriu que a Secretaria de Educação não tinha um projeto pedagógico que amparasse a iniciativa.


Toda a documentação disponível resumia-se a uma carta do presidente da Dell (fornecedor do equipamento), com um resumo de um estudo da Unesco.


Pediu o texto, mas não o obteve.


Lousas digitais, tabuletas e laptops são instrumentos do progresso quando fazem parte de uma ação integrada, na qual tudo começa pela capacitação do professor. Hoje, no Brasil, contam-se nos dedos as experiências bem-sucedidas na rede pública. Prevalecem desperdícios que poderiam ser evitados pela aplicação da Lei de Simonsen: "Pague-se a comissão, desde que o intermediário esqueça o assunto".


Quem acredita que Delúbio Soares estava interessado no aprendizado da garotada de Presidente Kennedy, vá em frente.



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