sábado, 3 de março de 2012
Para isto há cadeia
Luzia Rodrigues Pereira, uma pobre mulher de 74 anos, foi presa e levada para a cadeia de Veranópolis, município de 12.548 habitantes, a 95 km de Goiânia - GO, onde ficou presa por mais de 30 horas, porque atrasou o pagamento da pensão alimentícia dos netos. Ela foi solta no fim da tarde de quarta-feira (29/02) porque os moradores da cidade, comovidos com sua situação, cotizaram-se e pagaram a dívida.
A nossa querida Luzia, que é aposentada, assumiu a responsabilidade de pagar a pensão dos quatro netos porque o pai deles está desempregado, mas há seis meses não cumpria a obrigação. Além da idade avançada, ela tem problemas de hipertensão e labirintite.
- Eu ganho só R$ 272. Então, tomo remédio controlado e seis remédios diferentes. Não estou podendo comprar nem os meus remédios agora. Não estou em condições de pagar a pensão - explicou.
O delegado da cidade, que claro, tem que cumprir a ordem judicial, disse que a prisão é legal e que a aposentada só poderia ganhar a liberdade depois que negociasse o pagamento da dívida de pouco mais de R$ 1.500 com a nora que a denunciou.
- Dentro do processo ela foi condenada a pagar essa pensão alimentícia. Não existe outra forma, atualmente, a não ser essa - explicou a autoridade.
Até os presos ficaram surpresos com a chegada de Luzia à cadeia de Vianópolis:
- Na hora em que eles chegaram com ela aqui, eu nem acreditei. Pensei que ela estivesse fazendo uma visita ao presídio. Só que mandaram entrar em uma cela. Eu não acreditei. Pelo fato de a gente ter mãe, então doeu muito na gente - comentou um dos detentos.
A Constituição Federal determina que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (artigo 227), e que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (artigo 229).
A obrigação de prestar alimentos pelos avós também está contida, ainda que genericamente, no referido artigo 227, da Carta Magna, já que eles fazem parte da família, a quem cabe assegurar o sustento da criança.
Mas o Código Civil de 2002 enfrenta o assunto de forma direta e objetiva, dispondo que "o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros" (artigo 1.696).
A obrigação dos avós não é solidária, mas subsidiária, e eles serão obrigados a sustentar o encargo de prestar alimentos ao neto quando os pais do menor falecerem sem deixar rendimentos necessários à sua sobrevivência; quando os pais estiverem impossibilitados de prestá-los ou quando a pensão por eles prestada estiver no limite do que podem suportar. Em linhas gerais, são estas as regras aplicáveis à questão do pagamento da pensão alimentícia pelos avós paternos ou maternos no Brasil.
Logo, diante da fria letra da lei, a prisão de Luzia Rodrigues Pereira é legal, mas terá havido bom-senso quando se aceitou que uma mulher de 74 anos de idade e que recebe apenas R$ 272 a título de pensão assumisse tal obrigação? Esse compromisso foi assinado na presença de um juiz e de um membro do ministério público? Ela estava acompanhada de um advogado ou defensor público? Será que ninguém percebeu o absurdo da situação? De que adianta contratar com quem não pode pagar? E o pior de tudo: em não pagando, pode ir parar na prisão, como acabou acontecendo. Ninguém pensou nisso? Claro que não! O importante era se livrar de um problema, de mais um processo.
Quem bem definiu a situação foi Salete Auxiliadora Pereira, uma das filhas de Luzia:
- Tem tanta gente solta que deveria estar na cadeia. Mas é mais fácil colocar uma senhora de 74 anos do que um bandido, um político. Então, fazer o quê? - desabafou a mulher, e com toda razão.
Enquanto gente como Luzia vai parar no fundo de uma cela porque não teve como cumprir uma obrigação que nunca lhe deveria ter sido imposta, políticos corruptos, ex-ministros de Estado, desembargadores e juízes surpreendidos na prática dos mais diversos delitos penais são acobertados pelo manto da impunidade. E tudo em nome da lei...
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