sábado, 25 de fevereiro de 2012

A COMPLACÊNCIA TUCANA





Waldo Luís Viana*







O grande mal do Brasil, além do voto obrigatório, que nada muda, e do sistema de representação proporcional, em que a gente vota num candidato e elege outro na urna eletrônica sem recibo – é que o PT e o PSDB são irmãos gêmeos.




Não que sejam univitelinos ou frutos de reprodução assistida, não! São produtos teratológicos de nossas atuais e profundas contradições históricas.


Originalmente parido do PMDB, porque os seguidores não admitiam a corrupção congênita daquele partido, o PSDB partia para a carreira solo, tentando uma aventura ideológica diferente, em que procuraria imitar a social-democracia européia.





Degenerou-se, infelizmente, num partido de intelectuais de classe média alta e empresários ricos, com modos afrancesados e discurso em inglês, na tentativa vã de implantar as filosofias neoliberais dos anos 1990, que vieram na esteira do êxito imorredouro do Plano Real.





O PT, por sua vez, engendrado no laboratório fumegante do general Golbery do Couto e Silva, durante o governo Geisel (1975-1979), foi criado como uma cunha divisória entre as esquerdas, cujo objetivo era estancar a ascensão do inimigo público nº 1 dos militares de então: o governador Leonel de Moura Brizola, que inevitavelmente retornaria ao país do exílio.





Nascido para atrapalhar e não vingar, no estilo de esquerda “me-engana-que-eu-gosto”, o Partido dos Trabalhadores, no entanto, foi adotando caminho próprio, libertando-se do mago criador, atacando a tudo e a todos, naquele viés de monopólio da ética na política, e assim conseguindo angariar adeptos nos campos e nas cidades.





Era novidade fora do poder e foi conquistando palmo a palmo, por méritos de organização, postos legislativos municipais, estaduais e federais, prefeituras de capitais e governos de Estado, implantando o tal “modo petista de governar” que, hoje, infelizmente, todos sabem muito bem o que é...



Era, porém, a hora tão ansiada pelas escolas européias de sindicalismo que prepararam diligentemente os novos e barbudos pupilos no Brasil: um candidato de laboratório, criado no ABC paulista, zona do baixo meretrício do capitalismo selvagem, seria a liderança ideal para chegar à presidência da República. E ela teria de amadurecer tentando, como candidatos da esquerda em outras partes do mundo.





Essa vitória, longamente gestada (por três eleições consecutivas) destruiria, contudo, o reinado do irmão gêmeo, o PSDB, que baseou a sustentação política na falsa eternidade do Plano Real, alardeado então como a última chance de sobrevivência do Estado e da sociedade brasileiros.





De tão desastroso, o final do governo Fernando Henrique Cardoso lavrou o campo fértil para o golpe final da ascensão do ex-metalúrgico Lula, profissional da política e “empregado” do PT que conseguiu empolgar setores do pensamento universitário e da Igreja católica.





Formava-se aí um arremedo de democracia, em que os dois partidos fingiriam uma alternância eleitoral, no estilo norte-americano entre republicanos e democratas. Embora sócios no amor ao poder, PT e PSDB simulariam uma atmosfera de agressão mútua, forjando falsa dissensão, que só existe mesmo pelo puro desejo alcançar o cargo máximo. Aliás, Lula e o antecessor são antigos amigos-inimigos íntimos...





Fernando Henrique representou a herança maldita de Lula que, por sua vez, tornar-se-á a maldita herança de Serra ou Aécio, se Dilma (a continuidade) não vencer as próximas eleições. É preciso manter o jogo de simulacro para convencer os tolos.





O PT passou a governar, deixando no vestíbulo as antigas e incômodas idéias esquerdistas que passaram para o PSOL. O partido de Heloísa Helena tornou-se, então, o PSDB do PT: mera repetição de padrões...





Lula e seu governo caminharam rapidamente para o centro e adotaram, desde 2003, as mesmas idéias ortodoxas em Economia que repudiavam no governo Fernando Henrique, durante a campanha. As más línguas até disseram que isso era o resultado de um acordo com as lideranças financeiras internacionais, simbolizadas na confirmação de um banqueiro, ex-presidente mundial do Banco de Boston, na direção de nosso Banco Central – o que permitiria finalmente que o ex-operário e sindicalista governasse em paz.





De fato, Lula tornou-se novidade zoológica para o capitalismo mundial e hoje não há empresário ou banqueiro, nacional ou internacional, que faça reparos à sua gestão. Ela é perfeita para a manutenção dos negócios. Essas classes argentárias estão até agradecidas pelas políticas compensatórias, adotadas pelo governo petista e ampliadas da administração anterior, porque são migalhas que os ricos podem jogar da mesa sem precisar se levantar do banquete...





O PSDB sonha, todavia, em retornar ao poder federal. Conta com governadores do sudeste, José Serra e Aécio Neves, que fingem lutar entre si pelo privilégio de disputar com a recente candidatura petista.





O acordo entre eles, porém, é de cavalheiros, porque não necessitam consultar a opinião pública. Seguirão a mesma suavidade com que contemplaram o PT, em 2005, no auge dos escândalos de corrupção que – nunca neste país – quase destruíram o governo de Lula.





Naqueles tempos, os tucanos, no estilo oposição-light ou diet, só queriam que o presidente atual sangrasse para entregar o cargo em 2006, de bandeja, aos pretensos adversários. E todos ficariam satisfeitos. No entanto, o ex-metalúrgico, muito esperto e sagaz, aprendeu com os próprios erros, limpou o ministério dos assessores indesejáveis e prosseguiu sozinho, decidido a fazer as alianças necessárias para manter o poder a qualquer custo.





E reelegeu-se, em segundo turno, contra um candidato tucano anódino e que desapareceu na poeira da História.





Hoje, vemos o país submerso num pântano de corrupção em que nada acontece, nem as areias são movediças. Ninguém será preso e nada será apurado, a não ser que os delitos sejam delimitados em torno dos peixes pequenos – como bem nos recordou Fernandinho Beira-Mar, um dos nossos mais famosos cientistas políticos ao comentar uma das principais leis brasileiras não escritas na Constituição...





O PSDB prepara as suas “novidades”: José Serra e Aécio Neves. Jamais se viu nada mais antigo do que as duas novidades! Qual é o esquema, as propostas, o que virá, meu Deus? Sabemos, no fundo, que nada diverso do que Lula já fez – e diga-se de passagem com muita competência, tendo em vista as suas limitações, digamos, pedagógicas...





Se Lula foi um Fernando Henrique com cesta básica, o que será Serra ou Aecinho? Ou Dilma, com aquela cara de chefe de seção que deu certo?



A complacência tucana tem ares de ingenuidade, porque não consegue perceber que um governo que aparelhou toda a sociedade brasileira, com sindicalistas que se aboletaram nos cargos e usufruem de todas as mordomias, não vai querer largar o osso com tanta facilidade, deixando o poder para os irmãozinhos de punhos de renda.





Esse falso dualismo que envolveu o Brasil é péssimo, porque a alternativa é mentirosa e fútil. Não há diferença entre os dois partidos, a não ser no campo das escolhas pessoais. E tanto faz optar entre Coca e Pepsi, porque quem vai sorver a bebida é o PMDB, disposto como está a permanecer no poder. E de fato.





Do jeito que está, a sucessão presidencial é perfumaria e as fragrâncias já são conhecidas. Não há diferenças num regime político que preferiu o caminho do centro. Fomos, um dia, um enorme Portugal e estamos nos transformando, enfim, num enorme México ou gigantesco Maranhão...





Só que o centrão brasileiro não é taoísta, nem virtuoso; é um centro de ardis, corrupto e volúvel, onde se aceita tudo, desde que tudo se mantenha como está. Ele oscila, como na lei de Galbraith, entre o desagradável e o desastroso: a política do hímen complacente, petista ou tucano...



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* Waldo Luís Viana é escritor e economista, não é sexólogo...

Teresópolis, 24 de fevereiro de 2009.

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