quarta-feira, 9 de março de 2011

SERVIDÃO VOLUNTÁRIA- PARTE DOIS




Pobre gente miserável, povos insensatos, nações obstinadas em vosso mal e cegas ao vosso bem, deixai roubar, sob vossos próprios olhos, o mais belo e o mais claro de vossa renda, pilhar vossos campos, devastar vossas casas e despojá-las dos velhos móveis de vossos ancestrais! Viveis de tal modo que nada mais é vosso. Parece que doravante considerareis uma grande felicidade se vos deixassem apenas a metade de vossos bens, de vossas famílias, de vossas vidas. E todos esse estrago, esses infortúnios, essa ruína, enfim, vos advém não dos inimigos, mas sim, por certo, do inimigo, e daquele mesmo que fizestes como ele é, por quem ides tão corajosamente à guerras e para a vaidade de quem vossas pessoas nela enfrentam a morte a cada instante. Esse senhor porém, só tem dois olhos, duas mãos, um corpo e nada além do que tem o último habitante do número infinito de vossas cidades. O que tem a mais do que vós são os meios que forneceis para destruir-vos. De onde tira os inúmeros argus que vos espiam, senão de vossas fileiras? Como tem tantas mãos para golpear-vos, se ele não as empresta de vós? Os pés com que espezinha vossas cidades também não são os vossos? Tem ele poder sobre vós senão por vós mesmos? Como ousaria atacar-vos se não estivesse conivente convosco? Que mal poderia fazer-vos se não fôsseis receptadores do ladrão que vos pilha, cúmplices do assassino que vos mata, e traidores de vós mesmos? Semeias vossos campos para que ele os devaste, mobiliais e encheis vossas casas para alimentar suas ladroeiras; educai vossas filhas para que ele possa saciar sua luxúria; alimentai vossos filhos para que faça deles soldados (esses ainda são felizes demais!), para que conduza-os à carnificina, torne-os ministros de suas cobiças, executores de suas vinganças. Consumi-vos no sofrimento para que ele possa mimar-se em suas delícias e chafurdar nos prazeres sujos. Enfraquecei-vos para que ele seja mais forte, mas duro, e que vos mantenha com a rédea curta; e de tantas indignidades, que os próprios bichos não sentiriam ou não suportariam, podeis vos livrar até sem tentar fazê-lo, apenas tentando querê-lo. Decidi não mais servir e sereis livre.

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